É comum encontrar por aí pais que entendem essa queixa como uma desculpa dos filhos para se livrar das aulas. Mas a verdade é que a reclamação, na maioria das vezes, tem fundamento. Uma análise da Sociedade Brasileira de Cefaleia, a SBCe, concluiu que mais de 5 milhões de crianças e adolescentes do país sofrem com dores de cabeça e, pior, 409 mil experimentam, no mínimo, uma sensação de estourar os miolos a cada dois dias. “Esse problema com as crianças não é de hoje, mas sempre foi menosprezado”, lamenta o neurologista Marco Antonio Arruda, da SBCe.
Com uma incidência tão alta assim, não é de espantar que várias instituições tenham passado a investir em pesquisas sobre o tema. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) acompanhou 60 crianças entre 8 e 12 anos de idade durante 24 meses. Elas foram divididas em dois grupos. Um deles reunia quem nunca havia reclamado da chateação. No outro, ficaram os meninos e as meninas que padeciam de enxaqueca, um tipo de cefaleia que vem acompanhado de náuseas e sensibilidade à luz e ao barulho. “Analisamos a performance de todos na sala de aula”, conta a neuropediatra e autora do trabalho, Thaís Rodrigues Villa. No segundo grupo, era preciso esperar pelo menos três dias após a última crise para que a pesquisadora pudesse observar a real repercussão do incômodo. “Descobrimos que esses pequenos, até mesmo naqueles dias sem dor nenhuma, apresentavam dificuldades de atenção visual, retenção de memória e velocidade no processamento das informações”, completa Thaís.
Estudiosos da Itália, ao saberem dos resultados do trabalho da Unifesp, resolveram replicá-lo e encontraram evidências semelhantes. “O resultado mostra que não se trata de uma característica apenas das crianças brasileiras. As cefaleias prejudicam o desempenho escolar de jovens do mundo todo”, revela Thaís. Os italianos chegaram à conclusão de que a garotada que vive com esse peso na cabeça rende 10% menos diante do quadro-negro. Uma possível explicação é que a enxaqueca prejudicaria o padrão de sono e o comportamento infantil. Em tese, ela poderia até favorecer o surgimento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. E, aí, as lições e provas ficam perdidas em meio a esse fogo cruzado.
Se todas essas informações ainda não o convenceram de que dor de cabeça infantil é um problema sério, talvez a estimativa da SBCe mude sua opinião: somadas todas as faltas, são mais de 2,4 milhões de dias letivos perdidos todo ano por causa desse tormento. E, se não bastasse, a intensidade e a frequência do distúrbio aumentam com a idade. Esse fenômeno é pior no grupo das meninas, principalmente entre as adolescentes. “Isso por causa das alterações hormonais que ocorrem nelas”, justifica o neurocirurgião Eduardo Barreto, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional.
O pai e a mãe geralmente demonstram uma preocupação maior quando o pequeno apresenta crises tão fortes que precisa ser levado ao hospital. Mas não devemos esquecer que qualquer lamento, por mínimo que seja, já é um sinal de encrenca. Em um segundo momento, o estudo da Unifesp mostrou que a maioria dos pais se surpreendeu ao ver que o motivo do queixume não era brincadeira. “Achavam que só adultos podiam sofrer de enxaqueca”, explica Thaís. Passado o choque inicial, eles aceitavam o tratamento sem empecilhos, realizado com medicações preventivas para corrigir as alterações químicas do cérebro responsáveis pelos sintomas dolorosos.
E a pesquisa ainda foi além. Os cientistas perceberam que, após sanar as crises que acometiam a meninada, o desempenho escolar se igualava ao dos colegas sem as dores, reforçando a importância de diagnóstico e terapia corretos. Manter um diário de episódios ajuda a identificar o tipo de cefaleia e, assim, auxilia o profissional a decidir a abordagem mais apropriada.
Para um alívio imediato durante os picos de dor na infância, é recomendado que a criança se deite em um ambiente silencioso, escuro e bem ventilado. Caso a cefaleia persista, indicam-se remédios como o ibuprofeno e o paracetamol, sempre com
Mais do que uma sensação dolorosa Uma dor intensa que surge de uma hora para outra muitas vezes pode indicar algo mais grave. Quando acompanhada de outros sintomas, como febre, os pais devem entrar em contato com o pediatra e levar a criança para uma boa avaliação. “Pode ser um caso de meningite ou até de hemorragia cerebral”, alerta Eduardo Barreto. O mesmo vale para dores frequentes que não vão embora, mesmo após o jovem ter sido medicado. O neurologista é capaz de auxiliar, mas lembre-se de dividir todas as informações com o pediatra. Nessas horas, ambos são fundamentais.
O que evitar
Frutas cítricas
Chocolates
Leites e derivados
Ovos
O que dá alívio
Abóbora
Cerejas
Peras
Brócolis
Incidência do problema
75,5% reclamam de dores pelo menos 4 vezes por mês
17,9% nunca se queixaram de dor de cabeça
4,1% Sofrem com o problema entre 5 e 9 dias por mês
1,5% Têm dores uma vez a cada dois dias
1% Convive com o distúrbio quase que diariamente
EDITORA ABRIL
Revista Saúde
por Caroline Randmer