Um estudo da Unifesp descobriu que a predisposição à enxaqueca está relacionada a comportamentos como distração e desatenção. Entenda
Pela primeira vez, um estudo associou a enxaqueca ao déficit de atenção nas crianças. Não, não estamos falando do transtorno de déficit de atenção (TDAH), que inclui diversos sintomas, entre eles desatenção, hiperatividade e impulsividade. Déficit de atenção, no caso em questão, pode ser entendido como falta de atenção mesmo: distração, falta de foco, cabeça nas nuvens.
Foi a partir desse comportamento, constatado entre os pacientes de seu consultório, que a neurologista Thais Villa, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), decidiu investigar a questão a fundo: “Percebi que meus pacientes eram alvo de queixas frequentes por parte da escola e dos pais. As mães contavam que os professores reclamavam que o filho estava indo mal, que era desatento, distraído. Queríamos ver se isso estava relacionado à enxaqueca de alguma forma”, explica.
O estudo liderado por Thais foi realizado com 82 crianças entre 8 e 12 anos. Elas foram divididas em três grupos: crianças com enxaqueca que recebiam tratamento, crianças com enxaqueca que não recebiam tratamento e crianças livres da doença. Todas elas foram submetidas a testes de memória visual. Os resultados mostraram que, embora a performance em tarefas que exigiam atenção tenha se apresentado dentro do espectro normal para os três grupos, as crianças com enxaqueca e sem tratamento tiveram um desempenho pior nos testes de atenção visual que as outras.
Mas o que tem a ver a enxaqueca com a desatenção?
Para tentar entender o que explica o resultado da pesquisa é preciso antes compreender que a enxaqueca é muito mais do que uma dor de cabeça. Para começar, se trata de uma doença genética, ou seja, é preciso ter uma predisposição nos genes para desenvolvê-la. O que se sabe é que o cérebro das pessoas que apresentam essa propensão à enxaqueca processa as informações de uma forma exagerada. As sinapses, que são os locais de transmissão de impulsos nervosos, têm uma atividade mais intensa, deixando o cérebro tão excitado, que ele acaba superprocessando os estímulos que recebe. Um pouco de luz é processado como se fosse muita luz. Um barulho suave se transforma em um barulho mais intenso. E até a própria dor pode ser interpretada como se fosse mais aguda do que realmente é.
É por isso que a enxaqueca não se limita à dor de cabeça, mas inclui uma série de outros sintomas neurológicos como tontura, auras visuais (que incluem desde enxergar pontos luminosos até perda parcial da visão) e enjoo. Além disso, esse superprocessamento cerebral pode gerar comprometimentos cognitivos, influenciando desde o armazenamento de memórias até o aprendizado e também a atenção, que foi precisamente o ponto investigado na pesquisa.
Para a neuropediatra, o grande problema no diagnóstico da doença é que muita gente ainda pensa que dor de cabeça é coisa de adulto, o que não é verdade. “A queixa da criança é muito desvalorizada. Muitas chegam ao consultório com uma enxaqueca crônica, apresentando crises diárias, porque os pais não acreditam que elas sentem dor”, explica. Estima-se que a taxa de prevalência da enxaqueca em crianças seja de 10% e nos adolescentes, de 15%. A partir dessa idade, as meninas são as maiores vítimas já que os ciclos hormonais, associados à menstruação, podem desencadear as crises.
Uma vez que se sabe que a enxaqueca tem fundo genético fica mais fácil entender que não há uma cura, mas, sim, um controle para a doença. “Temos vários genes relatados de pré-disposição. A pessoa nasce com uma tendência e quando ela se expõe a situações que podem provocar a crise, os chamados gatilhos, acaba desenvolvendo a doença”, explica Thais.
Normalmente, os alimentos mais gordurosos, como queijos e chocolates, são os primeiros a serem apontados como desencadeadores das dores. No entanto, a alimentação funciona como gatilho apenas para 20% das pessoas com predisposição à enxaqueca. Já outros fatores como estresse, jejum prolongado, exercícios fisicamente desgastantes (e realizados fora de uma rotina regular), barulhos, cheiros fortes, claridade ou luzes piscantes, movimentos (às vezes até o próprio balanço do carro), dormir mais ou menos do que se está acostumado, tudo isso pode ser apontado como gatilhos para 50% das vítimas de enxaqueca.
Por isso, não duvide do seu filho se as crises de dor de cabeça só acontecem durante a semana. “A escola é um ambiente muito rico em reforçar a crise: tem muito barulho, a criança se movimenta mais, descansa menos nos dias em que tem aula. Se no final de semana a criança fica mais tranquila e dorme melhor, é menos provável que ela tenha uma crise”, explica. O problema é que isso reforça o mito de que as crianças dizem que estão com dor de cabeça para não irem à escola.
Quando seu filho começar a sentir dor, pode ficar mais pálido, parar de brincar, reclamar da claridade e dos barulhos ou até vomitar. Nessa hora, a maioria tem vontade de ficar sentada quietinha ou deitada. Se a criança dormir é até melhor, porque o sono ajuda a terminar a crise. A saída é medicá-la, seguindo as prescrições médicas.Mas o melhor tratamento, em longo prazo, é tentar minimizar os fatores que podem desencadear a dor. Manter uma rotina regular, com horários de sono pré-estabelecidos, evitar jejum prolongado, não ficar horas em frente à tela de aparelhos eletrônicos, tudo isso pode ser controlado. Se mesmo assim os episódios persistirem, é preciso tratar com medicamentos, porque a qualidade de vida da criança começa a ser prejudicada.
Por isso, se alguém na família tem enxaqueca e a criança começou a se queixar de dor de cabeça com frequência, sem apresentar febre ou outros sinais de infecção, melhor marcar uma consulta com um neuropediatra. Se não tratada, a doença pode evoluir a ponto de se tornar crônica e, nesse caso, as crises acontecem quase todos dos dias. Ninguém merece.
fonte:http://revistacrescer.globo.com/Criancas/Saude/noticia/2015/11/enxaqueca-em-criancas-pode-estar-relacionada-deficit-de-atencao.html